A experiência da solidão:
“Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém – nem eu mesma – poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: “O papel é mais paciente que o homem”. Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa. Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário – a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros –, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro.“
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. 2 ed. São Paulo: Lebooks, 2017.
No trecho do diário de Anne Frank a jovem autora nos convida à uma reflexão tão pessoal, mas tão universal: a insegurança que envolve o abrir-se e revelar aspectos da nossa intimidade. No texto a menina vivencia a solidão e o medo, consequentes do contexto da guerra. Atualmente, vivemos em um contexto bem diferente, no entanto a sensação de isolamento pode ser vivenciada por diversas razões.
Buscando investigar a experiência da solidão o grupo BBC conduziu a pesquisa BBC Loneliness Experiment e identificou altos índices de solidão em todas as faixas etárias, inclusive em jovens de 16 à 24 anos. A pesquisa também identificou que quanto mais prolongada era a sensação de estar sozinho, mais angustiante se tornava a experiência para os participantes.
No dicionário Michaelis a solidão é definida como o “Estado ou condição de pessoa que se sente ou está só; isolamento”, é interessante observar que essa experiência pode tanto ser uma condição material, de uma rotina de vida com contato limitado com outras pessoas, quanto uma sensação íntima de não pertencimento.
Em ambos os casos o que parece se apresentar é a inviabilidade de sentir-se compreendido por um outro, de estabelecer uma relação de qualidade íntima que permita a expressão da experiência individual e singular. Nesse sentido não é estranho que essa sensação possa ser angustiante, afinal a experiência humana já é solitária a medida que nossas maiores alegrias, frustrações e ansiedades são íntimas, podem apenas ser relatadas e muitas vezes é difícil expressá-las com fidelidade.
É nesse espaço entre o eu e o mundo que arte se insere, tal qual no excerto de Anne Frank que sintetiza de modo tão singelo e direto a busca por um espaço de vazão de tudo aquilo que nos transborda. É justamente naquela música, naquela pintura ou naquele filme que aproveitamos no final de semana que uma ponte de comunicação entre a nossa subjetividade e a do outro se constrói.
Por vezes, no entanto, essa sensação se torna sufocante. A dificuldade parece se tornar maior que nós mesmos, e é quase como se um véu se desenhasse entre nós e o mundo. É nessa perspectiva também que a terapia busca atuar, ao criar um espaço de expressão livre através da fala ou de qualquer outra ferramenta possível, ela permite uma relação genuinamente acolhedora entre terapeuta e cliente de modo que seja possível a construção um novo horizonte de ação e a transposição desse véu.